"Um mesmo livro nunca é o mesmo para duas pessoas." Ferreira Gullar



31 de janeiro de 2012

Não ficção (Jan/2012)



Apesar de não ter o hábito de ler não ficção, acabei apreciando dois deles, em sequência, nesse período de férias. Desde 2009 tinha guardado O livreiro de Cabul (Äsne Seierstad, BestBolso), mas ainda não tinha encontrado vontade de ler; interessante que, mais uma vez, me deparei com um tema mais que batido, de alta vendagem, várias vezes trabalhado em projetos de leitura - o Afeganistão - e pude perceber que, seja na ficção ou fora dela, não há muita diferença: desde O caçador de pipas (livro que me marcou profundamente!) tenho visitado o tema reiteradamente, até chegar à história real de Enaiatolah (Existem crocodilos no mar) no ano passado e agora com a também verdadeira história do livreiro Sultan Khan e sua família, sendo que todas as narrativas têm, sempre, pontos de contato. O que mais me perturba nelas são as ausências: de felicidade, de sonhos, de amores, de ideais... Em O livreiro..., dentre todas as situações vivenciadas por Äsne, a que mais me chocou foi, sem dúvida, o vazio da vida de Leila, a jovem de 19 anos que sabe desde sempre que sua vida será invariavelmente igual: ser obediente, cheirar a pó e a comida, escondida numa burca! É desolador...
Em seguida, li Lendo Lolita em Teerã (Azar Nafisi, BestBolso). Ganhei o livro no ano passado, de uma colega que disse ter lido pensando em mim. De fato, a identificação foi imediata! A autora iraniana relata uma experiência lindíssima de como burlou um regime de opressão imposto pelo aiatolá Khomeini e reuniu um grupo de sete jovens para ler ficção em literatura inglesa e discutir os grandes temas apresentados nas obras selecionadas. Pode parecer piegas me referir à narração como uma lição de vida, mas foi exatamente assim que percebi as histórias das oito mulheres reunidas às quintas-feiras, todas vistas sob o ponto de vista de Azar (inclusive ela mesma, e muitas vezes elementos de sua família, pois os encontros se davam em sua casa)... todas vistas sob a perspectiva da memória! Nesse resgate, a cada obra lida e analisada, a vida delas também o era, de maneira que um pouco de Austen, Twain ou Nabokov, por exemplo, passava a ser um pouco delas mesmas. Como professora de literatura, as citações e as análises literárias de Nafisi acrescentaram muito, embora conheça muita gente que, mesmo não pertencendo à área, gostaria da narrativa, do que ela representa e do que ela 'deixa' no leitor: a sensação positiva de que é possível, em meio ao caos, a serenidade; em meio às frustrações, a vitória; em meio às privações, os voos da intelectualidade... e esses, não há quem os sonegue! Recomendo...

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